29/09/2013

Fúnebre desejo

       

         Há algum tempo atrás, em um lugar e um tempo não tão distante do nosso, existia um... Mais um, de tantos desiludidos aos prantos. É essa a história que pretendo lhes contar. Talvez, seu nome não fosse o importante, talvez... A informação mais insignificante, mas mesmo assim eu o direi. Seu nome era César de Antero, alguém tanto igual e um tanto diferente, de decepções mil sobrevivente, e tendo morrido muitas vezes em vida, continuou a respirar o ar da maldita, que já tanto o havia desgraçado.
       Após um mês mais de sofrimento, e de desperdício de forças em lamento, César se tornara obcecado pela morte. Quanto mais escuro fosse o local, quanto mais fúnebre o ar lhe parecesse, mais excitado e empolgado se fazia sentir. Mas mesmo assim, nem tudo era felicidade na então vida de solidão deste homem. Lhe faltava uma companhia, que nem livros, nem mesmo a morte supria, algo que este ainda estava à procurar em meio à escuridão de seus pensamentos e dos locais que frequentara. Nem toda a arte ou poesia, nem mesmo a areia e a maresia, música ou pintura lhe tiravam o peso que a soledade lhe trazia; é ai então, que todo o relato desta noite começa. Cansado da presença de vivos, exausto das práticas que tinha visto... César revoltou-se, e resolveu se refugiar no único lugar, onde a morte reina e é senhora. Onde há uma paz real, dada pelo pós-vida: O Cemitério.

***

       Adentrando os portões de ferro, ouviu o ranger de seu abrir com um assustador ruído, e a visão que ele teve ao adentrar, foi a mais bela e triste visão para um vivo. Porém, aquilo o alegrara de uma forma que não conseguia entender; embora aquilo o assustasse de certa forma, sentia-se impelido a continuar sua viagem pelo reino dos mortos, por aquela paz negra e mórbida.
       Antônio Carlos Gouveia, Maria de Ariano, José de Arimateia .. Ele lia cada nome, olhava cada retrato, cada vestígio do passado, de pessoas que talvez... Fossem tão solitárias quanto ele. Vidas que há muito não existiam, apenas na lembrança embaçada de alguém, sobreviviam. E ao passar a mão por cima das criptas, um retrato lhe atrai o fascínio, uma imensurável atração - uma face branca, não devido à ação do tempo na foto, olhos verdes como esmeralda, cabelos negros, um boca tão linda que à uma maçã se assemelhava - ele ficara extasiado com aquela visão, e pôs-se em tormenta à sacudir a poeria para que pudesse ler o nome daquela bela dama... Luanna Ulrico Albuquerque. O nome o encantara, e lhe veio o desejo ardente de conhecer a dona de tão belo rosto e de nome tão imponente. Embora estivesse ciente da impossibilidade do seu desejo, César parou, sentou, e deixou que uma lágrima de solidão brotasse. A mesma rolou, caiu, e parou sobre a cripta à qual ele observava com tanto anelo.
       Uma melancólica visão, e ao mesmo tempo sublime: Um homem, uma lágrima e um túmulo, que apenas se tornavam mais belos banhados pela luz prata e sombria do luar, daquele Março frio e tranquilo. Ele piscou o olhar em um segundo... E se encontrava um tanto sonolento, mas., algo estava estranho, e totalmente fora do lugar. Embora vazio, o reino da morte parecia agitado, e a luz da lua parecia mais sombria do que nunca. Encontrando-se recostado à uma lápide, que para ele, naquele exato momento, agora era uma qualquer após a vista de Luanna - ele tremeu em seu interior, mas de toda forma não temeu. Em um lance de segundo, ele entra em alerta para olhar na direção da cripta da moça falecida - a visão não poderia ser mais perturbadora. E  para ele, a mais infeliz - encontrava-se aberta, quase escancarada e seu retrato havia sido saqueado. Agora, mais inquieto que nunca, ele começou a percorrer o cemitério e começara a caçada ao profanador de tão bela figura do além.
       E entre uma curva e outra, ele avista ao longe, algo que o congela por dentro, fazendo com que o medo se torne sólido como gelo. Pensa ele: "Meu deus! Estou louco?" E com o corpo trêmulo ele com cautela se aproxima. Um corpo feminino, um vestido rosado um tanto esfarrapado. Cabelos negros e longos, ela virasse para ver quem se aproxima... Choque! Não poderia ser mais macabro. Ele cai com o impacto do momento, a figura começou a se aproximar. Luanna... Ulrico... Albuquerque... "Deus meu!" diz ele, ainda amedrontado. O mesmo rosto da foto, que agora, o presenteava não com uma feição séria como a do retrato, mas com um belo e receptivo sorriso, e lhe fala:

-- Quer ajuda?
       Ele em choque tenta gaguejar algumas palavras, quando ela lhe pega a mão. Instintivamente ele começa a levantar com a ajuda da dama.
-- Obrigado! Vo... Você... É, é mesmo quem eu penso que seja?
       Ela sorri, com um gargalhada recatada e sincera:
-- Bem, eu sou eu, quem mais eu poderia ser?
-- Desculpe! - Respondeu ele timidamente. - Mas você não estava...
-- Morta? Bem, até alguns instantes atrás penso eu. - Responde ela o encarando nos olhos -- Mas algo me acordou à pouco tempo atrás.
-- Desculpe, receio ter sido eu. - Responde ele abaixando a cabeça.
-- Não se desculpe... - disse ela, sorrindo - Faz algum tempo que estou aqui, embora tenha chegado há pouco tempo em comparação à alguns. Mas creio que o ar de fora me fará bem por uma noite! Então... Como se chama?
-- César... César de Antero. Desculpe-me, estou um pouco assustado.
-- Não precisa se desculpar.

       E eles caminharam por algum tempo, entre lápides e criptas, provando da luz de uma lua que sorria pelo realizar daquele até então, impossível encontro. E enquanto eles se olhavam com olhares encantados, - Ela pela alegria de uma vinda à vida inesperada, encontrando alguém que mesmo morta à desejara; ele por anelo deste fúnebre desejo, naqueles olhos esmeraldas profundos em meio àquele frio dos mortos e seus túmulos - sentaram-se em um banco um tanto escondido, em meio à algumas árvores velhas e decrepitas, algo tão sinistro quanto aconchegante, e assim foram conversando. Logo, os corpos estavam próximos, as mãos começavam a se tocar, e uma mistura de timidez, coragem  e recato os circundava tanto quando o ar, que agora, morto e vivo, estavam a respirar. O olhares foram trocando-se, os rostos aproximando-se, e os sorrisos e gargalhadas tímidas foram dando lugar à um silêncio amável e delicado, que já mesmo até parecia o ar normal do lugar... Se não tivesse sido precedido por um doce, longo e cuidadoso beijo.

-- Desculpe! -- disse ele eufórico.
-- Pelo que? -- Respondeu ela, com um sorriso feliz nos lábios. -- Você em uma noite, realizou o desejo de toda uma vida, que não fora realizado.

       E fechando os olhos, ela recostou sobre o ombro de César a sua cabeça,  e aninhou seu corpo junto ao dele. Ele vendo a feliz reação de sua gélida amada, passou o braço em volta de sua fina cintura, à pressionou contra seu tronco, e o único som, em meio àquele silêncio de túmulos, é o som da respiração em sincronia, de uma vida e uma morte, uma triste ironia, de dois destinos iguais que jamais poderiam se encontrar, se não fosse esse abismo de sombras que os encobria no fúnebre fato que até então se sucedia.
       Então, ele por simples impulso diz:

-- Já é quase uma hora da madrugada.
-- Verdade? Não vai durar muito...  -- Então ela põe em seu rosto uma triste expressão.
-- O que não irá durar? -- Pergunta ele surpreso.
       Ela com uma tristeza aparente, tanto quanto o seu belo sorriso põe-se a dizer:
-- Este momento, este amor, este feliz infortúnio! Não creio bem, se fora melhor que tenha acontecido.
     Ele tão somente à observa, e sem nenhuma reação... Escuta atentamente cada conjunto de palavras que de seu lindos lábios saiam.
-- Sua tristeza, sua lágrima e provavelmente... Sua vontade de amar... Foi o que trouxeram-me a este momento. A esta incerteza entre felicidade e agonia. Esta agridoce alegria, que pode ser uma brincadeira da deusa Fortuna. Eu, que jamais amei... Agora o amo! Mesmo a morte precoce que passei, não pode privar-nos deste único encontro, que na eternidade jamais será esquecido. Nem mesmo creio, que o relógio de tua vida, esta página irá amarelar.

***

       Eles permaneceram abraçados por mais algum tempo, aproveitando cada precioso segundo, até que alguma palavra é dita quebrando o silêncio, em meio aquela noite, de frente para a lua felina.

-- Jamais nos veremos... -- Fala ele ensimesmado
-- Não sei, meu querido. - Responde ela com carinho. -- Mas, mais do que nunca, meu tempo agora é curto. Oferte-me um ultimo beijo, um ultimo selo de nossa linda paixão.

       Naquele momento, a mesma lágrima que ele ofertou sobre o túmulo, caiu em seu peito... Vinda de sua fúnebre amada, seu amor obscuro. E com mais um beijo, ela põe a mão sobre os olhos de seu triste amante, que cai em sono profundo. Ao acordar, César não lembrava o quanto dormira, então, ele caminhou até a cripta da paixão que jamais lhe havia sido ofertada. Fechada, Não! Lacrada, como sempre estivera. O esquife de sua amada funérea, com seu lindo retrato muito bem colocado... Como se tudo houvesse sido um sonho, mesmo que parecendo real. Ainda assim, havia ele acordado no banco entre as arvores. Então colocou-se abaixado, em frente ao túmulo empoeirado, tocou o retrato do belo rosto que como por todas as noites de sua vida amara, e disse:

-- Não sei se sonho ou se realidade. Apenas te amo, te amei... E já agora, não sei... Se por ventura de novo amarei em vida. Pois na morte, mesmo ainda que ilusória, encontrei a mais querida. Irreal e impossível... Que para a razão não é admissível... Mas foi meu desejo de amar!

       Daquela noite, despediu-se ele... Levando apenas na mente, a lembrança te uma triste semente de paixão. Da caminhada... Da lua prata... De toda a escuridão. Da desgraça de um solitário, mais um entre tantos desalmados, que não entre vivos, mas em sua morte tem se encontrado.





Por Francisco Calado

22/07/2013

O amor e as trevas

        


        Eles estavam abraçados, seus corpos envoltos pelo frio noturno, tremiam diante do medo e do escuro... À espera de seus últimos segundos e o último beijo de adeus.

***

          Já era tarde da noite, todos os seres das trevas já espreitavam cada qual em suas sombras. O vento uivava como lobo em caça e ronda. O silêncio tomava a cidade como um exército armado, um estado de sítio, seres encarcerados... Dormiam tranquilamente em suas camas de algodão. Uma falsa paz, quietude apática à vida dos mortais, a noite e seus filhos.
           Em meio ao sombrio e tranquilo cenário, um casal de apaixonados à aventurar-se pela madrugada. Ela... Branca como a superfície da lua, de beleza esplendida e uma fina doçura. Ele... Forte, caloroso, a enlaçava em seus braços perto a seu corpo. Caminhavam pelas ruas desertas, levando seus amores e carinhos para o mais profundo das trevas, madrugada a dentro, perdendo-se ao se encontrar. Então, assim, eles caminharam... Até encontrar um belo jardim. Onde as folhas e botões de rosas fechados se iluminavam pela luz da lua cor de prata acima de suas cabeças. Disse Ele: "Nos lancemos ao chão do jardim, e gozemos do luar e das carícias do amor". Ela tentada por seu amado, sem demora ao pedido atende; e então... Lá estão eles, estendidos sobre a grama, a provar dos carinhos reservados aos amantes. Beijos, abraços, palavras balbuciadas com ternura, em meio ao gélido ar de uma noite escura, onde fantasmas circundam este abraçar.
            Avançava-se a madrugada, e talvez, logo viesse a luz do sol. E o casal, inocente e febril de paixão, permanecia no jardim, lançados ao chão, quando Ela diz: "Sentemos naquele banquinho de madeira rosada.". Ele, forte e gentil, pronto a atender o pedido amada, levantasse e à ajuda a se levantar. Os dois caminham em direção ao banco, ao chegarem, ele o limpa das folhas que o estava a infestar, senta-se e aninha a amada em seus braços. 

E vai-se foi uma hora, e nem sinal do aparecer da aurora. 
             
          Eles, mesmo achando a demora do raiar estranha, no entanto, nenhuma dúvida vinha atona. Apenas o amor lhes percorria as veias e o pensamento.
            Ruídos começavam a se agrupar. Uma atmosfera pesada de medo estava a se espalhando, e o ar, exalava agora o perfume que a morte usa quando se aproxima. E em meio à aquela escuridão, uma dança de sombras e sopros começa ao redor do amantes, algo que eles jamais viram. Uma imagem horrenda, talvez a pior das assombrações, agora, vai na direção deles, desprotegidos e confusos. Então, um arrepio atravessa através da espinha de ambos, e sem saber muito o que fazer, eles levantam de seus lugares e põe-se a correr. E mesmo antes que o fôlego se apressasse, eles já se viam perseguidos pelas mesmas sombras, seres horríveis, rostos estranhos, gemidos assustadores de antes. E como se a roda da fortuna estivesse contraria aos dois, Ela tropeça, cai  e desajeitadamente se projeta ao chão. Diz Ele: "Amor!" Assustado com tudo, porém não poderia abandonar a sua amada. Ele abaixa enquanto vê as sombras se movimentarem, e a ajuda a se levantar. Ela por sua vez, com um olhar triste e um sorriso desajeitado em seus lábios, agradece com um caloroso abraço, o gesto gentil de seu amado.
            A perseguição perdura por becos, esquinas, ruas e todos os locais possíveis, mas, apenas sombras por toda a parte era que se podia encontrar. E quase sem um raio de esperança, Ele tem um clarão em sua mente de um provável local seguro, um local desconhecido por quase todo mundo, exceto por ele e sua doce e linda flor. Ele a segurando pela mão, muda então o trajeto. Ela, como que lendo o pensamento de seu querido, lhe segue fiel, ainda que aterrorizado com o que tem acontecido. Atrás deste quadro bonito, formas demoníacas se propagam, o vento uiva de mal grado, zombando dos jovens apaixonados. Então... Eles param, seu destino era certo: Uma pequenina ponte sobre um braço de rio, uma visão amorosa daquela pequenina cidade, onde poucas coisas bonitas poderiam serem vistas. Mas... No vão perde-se o esforço.

***

              Agora, eles estavam abraçados, seus corpos envoltos pelo frio noturno, tremiam diante do medo e do escuro... A espera de seus últimos segundos e o último beijo de adeus. As sombras preparavam-se para o bote, como um serpente venenosa diante de sua impotente presa. E a escuridão crescia ao redor deles, como se nada existisse mais naquele local: nem ponte, nem rio, nem mesmo a cidade... Apenas as trevas. 
          Diante daquela situação, cada vez mais consumidos pelo mal que os sobreveio, eles se abraçam, e apertam-se como nunca jamais o fizeram. Mas é tarde até mesmo para o ultimo adeus. E em questão de segundos, tudo é escuro, frio, o vento com seu grito ensurdecedor, agora da lugar a um brisa quieta e nefasta, quando ao longe... Vê-se despontar uma lança dourada: O primeiro braço da aurora vindoura do novo dia, vem agora com tão forte energia, que em um lance de olhos... Toda a escuridão já se foi! Mas, tragicamente, não havia mais o amoroso casal, que pela madrugada se aventurou. Tardiamente a luz do sol chegara, mas... Ao chão, onde os doces pombos apaixonados fortemente se abraçaram... Um objeto muito bonito ocupa o lugar, de brilho eterno e sem igual, uma joia desconhecida ao olho mortal.
          Um lindo medalhão, com dois rostos, lembrando o sol e a lua. Em um beijo eterno de inocente pureza, é o que restara, do amantes apaixonados. Daquele abraço apertado, o ultimo gesto, antes de desaparecem. Um simbolo de amor infindo, fiel, até a morte... De dois corações, antes e agora... Unidos.




by Calado

14/07/2013

Assombrações





         Não há carros nas ruas, nem pessoas a caminhar em seu andar rotineiro e frenético. Não se vê animais à solta ou o acaso de um encontro entre amigos. Lojas fechadas, abertas. Casas abertas e fechadas. E tão somente o som do vento solitário a vagar de esquina em esquina. 
         Oh! Quão ainda tenho de me assombrar com este local tenebroso? Caminho... Caminho... Caminho... E por mais que aneloso, ando em cautela. Não há nada, ninguém e coisa alguma. Procuro ao menos um triste ou mesquinha criatura... E minha resposta é tão somente o silêncio. O ar foge de meus pulmões. Estou calmo, nervoso e oscilo com raiar por entre as nuvens de clarões - a única vida que encontro - o lua acima de minha cabeça. E por mais que o céu parece limpo, faz frio... Como se estivesse estendido do inverno o véu, neste Janeiro maldito.
         O medo espreita cada rua, cada beco. Sombras e trevas se movimentam - coisas que vejo e não vejo - e o gosto de aço em minha boca, fere a língua já congelada. Escuto tão somente minha respiração... E o som de meus passos, toscos, incertos, sem rumo, desajeitados. Mas de súbito, ouço sons estranhos, agudos, graves, sujos, tão irritantes, gritantes. Uma agonia inexplicável toma conta de meu peito, minha respiração muda de ritmo, rápida, inconstante, hora respiro, hora não respiro. O temor se espalha por meu corpo, compacto, fino, como fio de lâmina mortal. Estou imóvel, atônito, músculos e ossos paralisados.
         "vruuuuuuu... tcraaa..." Algo cai. Não vejo, meu corpo não se move por mais que eu tente, minha vontade de virar é forte e insistente; mas não! Não consigo se quer os olhos virar. Ouço uma respiração, sons de passos diligentes, e algo que me parecia o bater de grandes asas. Demônios? Anjos? Talvez uma figura desfigurada. "Vire-se! Vire-se" a mim mesmo digo. E nada, nada consigo, minha vontade é inútil. Sinto-me observado, frágil, tal como cordeiro pronto ao abate.Tal como aquele a que a morte à porta bate, meu desespero só não é maior que a vontade de me livrar do terror, do frio, deste macabro ardor que invade-me a espinha, como que possuído - Penso: "talvez, eu já tenha morrido.". 
         A situação me desespera, congelado, quase morto, ruas vazias, silêncio mórbido, bater de asas, o terror que assola a noite agora ronda minha mente... Meu coração mesmo que temeroso pulsa e bate insistente, minhas mãos ora suam, ora tremem; penso em tudo que havia e tudo que agora não há. No amor, na dor, nos sorrisos, na luz que diligente era ao rejeitar, na escuridão que abraçava com carinho. "Vire-se! Vire-se! Saco de ossos medroso e medonho" digo a mim em uma esperança desgarrada, um devaneio, um sonho em meio a um horror endiabrado. Então...

***
        
         Minha mente não acredita no que meus ouvidos ouvem. 

         Apenas um segundo...  nada mais que isso! Susto, pânico! Uma voz indefinida... Me aterroriza com palavras que não consigo identificar, falo próxima a um de meus ouvidos. Meus olhos não piscam, e não ouço mais nada, nem mesmo a pulsação de meu coração acelerada. E aquele som ecoa em minha mente por séculos em minutos. Eu... Assaltado por horrores noturnos, vozes, ventos, vultos. Ainda não consigo me virar. E a voz... E a voz... Tento lembrar-me o que me dissera. Não lembro, não lembro. Miséria! Assolado por assombrações que nem mesmo conheço... Sem paz, sem luz, sem o amor que desejo. Mas... Minutos depois...
         Não sei quanto tempo se passou ao certo. Viro-me, estou na cama. O frio ainda cobria meu corpo de forma tremenda, estou trêmulo, meu olhar assustado; travesseiro ao chão o cobertor também está jogado. A noite ainda é escura, e nada está a passar na rua. Por fim o terror acabara. 
         
         Mas... A voz? As palavras? 
         Busco em mim uma explicação. 
         E o horror que me sujeitara?
         Busco respostas. Solução.
         Sonho? Realidade? 
         Assombrações, demônios, deuses, anjos...
         Busco a resposta,
         Só encontro dúvidas...
         Fantasmas de uma noite louca.
         E o som macabro que se perpetua.
         Horrores no quarto e nas ruas.






by Calado

13/07/2013

Thaís



1801 - Domingo


        Certa moça, sentada ao canto de sua cama. Encostada à parede, por vezes incerta da vida, derrama uma lágrima salgada e sofrida, de coisas que ela viu passar. Suas roupas tão escarlate, tão góticas como as catedrais seculares, agora sofre a chuva de seu pranto, pois seu ultimo acalanto, acaba de partir.
       Trágico cenário descrito, ela que outrora, guerreira, alegre, sorridente. Por vezes, a mais cobiçada dentre a moças de sua idade, as vezes motivo dos cochichos da cidade... Está trancada, não apenas em seu quarto, mas em si mesma. Uma tempestade de pranto que tudo vem devastar. Há quem diga, que importância não há, pois também, pouco valor lhe dá. Ao anjo pequenino, talvez chamado cupido, um deus em forma de menino, que as vezes vem em imensidão, e atende pelo nome de paixão - Oh! que trágico mal à abateu - mas ela o chama de "amor".
        Sua imagem? Moreno, alto, cabelos curtos, forte. Não sei mais. Te juro! Mas sei o que então se sucedeu:
        Era manhã, ela sorria, como que ignorando Fortuna e Destino. O rosa de seu vestido, cintilava com o brilho de um sol escondido... Por doces nuvens de algodão, que de tão brancas que jamais se vira. Bem, talvez para ela, aquela fosse a manhã mais linda. Pois bem, preparava-se ela para vê-lo... Que do seu coração um apelo, surpresa desejava lhe fazer. Pôs-se ela tão prontamente à rua, lindas vestes, linda face - porém - sua alma era desnuda, indo em direção ao seu amado. Motivos de tantos sorrisos descompromissados, durantes os infinitos dois meses enamorados. E ao virar na primeira esquina, acena então para uma jovem moça, talvez de idades parecidas, sua prima! Uma das mais favoritas, lhe dá também com a mão e põe-se a cochichar com uma outra, que com um estranho olhar: sua cabeça abaixa, contorce o rosto bonito e fazendo sinal negativo, leva à face sua mão.
         Quem diria que sua felicidade muito não duraria. Pois ao virar na esquina seguinte, aonde de certo, sabia que iria encontrar o amado... Só haveria tristeza, dor, ódio, do que um dia foi desejo e anelo.
           Mas que fortuna maldita... Que visão de inferno cristão.
          Ele, aos braços de uma outro donzela, pensou: "não sei definir se ele está em seus braços, ou se ele que abraça ela."  Assim pensou a jovem confusa e amedrontada. Pois todo o amor e paixão que reservou devotada, agora era apenas um rio de dor imenso. Em praça pública, corria ao som das famílias alegres, e do escárnio de sua má sorte. Ele aos beijos e abraços fervorosos, ela perdida em seus dores e pensamentos temorosos. E por um momento pensou ela: "Não acabou!"  - Largando a cesta de comida que para ele preparara, dentro, pega uma faca que ali colocou. E o que serviria para cortar o doce alimento, só traria tragédia e um terrível arrependimento.
         Ela lançou-se a correr em direção aos dois, e nem as pessoas da praça e nem casal puderam perceber sua intensão fatal. Em um segundo, tudo era apenas vermelho! O rosa de seu vestido, em escarlate convertido, então a faca que empunhava, não mais em sua mão residia. Agora, habitava no peito do outrora amado, razão de tão cruel agonia. Sem pensar mesmo no que havia feito, ela correu, de beco à beco, até encontrar o caminho de casa. Atirou-se à cama como uma flecha perdida, e sabia que sua esperança agora podia ser esquecida,junto com tudo que um dia sonhou para amar. Sentada ao canto de sua cama. Encostada à parece, que por tantas outras vezes, incerta da vida, derrama uma lágrima salgada e sofrida, de coisas que ela viu passar. Suas roupas tão escarlate, tão góticas como as catedrais seculares, agora sofre a chuva de seu pranto, pois seu ultimo acalando acaba de partir.
         A justiça e as autoridades locais à buscavam. A família do moço agora, em ódio, homicídio vingativo tramavam. Seus pais eram os únicos que sabiam onde a encontrar. Algumas horas depois, a cidade em alvoroço em torno da casa, vê então de uma grande comitiva chegada: O delegado, a família do rapaz, os pais da garota. Todos tão aterrorizados, quanto confusos e encolerizados. Adentram a sala, e sem demora, as escadas escalam em direção ao lindo quarto, onde dormia o "passarinho", hoje corvo carniceiro. Em frente ao quarto, o grupo de sete pessoas, na expectativa do abrir da porta.

        Naquele momento, o silêncio dominava a casa, a rua, a cidade. Afinal, a calma e a alegria, quebrados por uma traição...  um assassinato, sangue lançado ao chão.

         E no abrir da porta do quarto, uma outra visão terrível, para uns, um inferno diferente, tão diabólico e macabro do que já ocorrido! Para outros, uma bela pintura, quadro de justiça e alívio. Desorganizado, o quarto tão bela menina, coisas inúmeras pelo chão, lençóis rasgados, roupas, papeis, pelúcias (talvez presentes do fúnebre amado), hoje tudo tão esquecido, desprezado. Ao fundo... Um ser esguio e belo, sangrando mudo na varanda exposta ao luar. Um corte fino e profundo em cada pulso, uma flor de sangue formada aos seus pés. E em suas mãos, um papel, que por milagre ou por maldição, estava branco como a lua em meio à escuridão. Um bilhete pequenino, em um ultimo suspiro de uma triste e arrependida apaixonada que conseguira deixas suas ultimas palavras, dizia:

"Me negado foi o amor, e suas venturas queridas.
Sofri e causei a dor, e agora nego-me a vida."





by Calado

Nas Highlands - A virtude corrompida




       Era tarde da noite, e todos dormiam. Menos um rapaz... Seu nome? Por ironia, acaso ou obra de fortuna, se chamava... Sem nome!
       Inquieto, sem sono, vagando de um pensamento a outro, se armava do conhecimento, do saber, da noite e do dia. Viajando de sonhos à sabedoria. Sem nome e suas armas imaginárias. Sem nome e suas amadas de folha e página. Noite à dentro, com olhos vermelhos e preocupações de universos inteiros de conclusões, indagações e pensamentos. Orgulhando-se de todo o seu conhecimento, de sua existência e seu desaparecimento... E de até onde eles o levaram. Em uma tarde fria de dezembro, na Escócia.
       E em meio ao frio, ar natural das montanhas, com uma voz trêmula dizia ele:
           
           - Minhas mãos congelam, petrificam-se meus pés.
             Será o clima das "Highlands" tão cruel quanto um sonho em desilusão?

       Não preparado para o frio, portando apenas um singelo casaco que mal podia conter o calor de seu corpo esguio, uma calça jeans um pouco surrada, e furadas e sujas, algo que um dia pode ser chamar de  luvas... Que mais parecem ter sido emprestadas, devido tamanho exagerado para suas pequenas mãos. Sem Nome: O orgulhoso coitado.
       Olhando o nevoeiro que as Highlands o reservaram, ele começou a caminhar. E como em sonho, contemplava a beleza de pastagens Celtas, de um passado por ele um tanto admirado. Mas já caia a noite, e o frio congelante se tornava. E em um local desconhecido, o qual não havia acampamento, cabana ou alguma figura amada; e em breve, só haveria a escuridão de pastos cinzentos... E os ruídos vindos da noite, de coisas e criaturas desconhecidas. Sem Nome sabia que não haveria escapatória para sua estádia, suspirou lentamente, vendo o ar quente contrastar com o ar da noite em forma de fumaça, abaixou seu corpo, e sentou-se ao chão recostando-se em uma pedra que ao acaso encontrara. Sem Nome portava uma pequena bolsa de couro, a qual caberia pouca coisa, em especial, um caderno velho de anotações, que com muito zelo, ele guardava como um tesouro inteiro.
       Puxando o livrinho da bolsa, ele começa a ler:

          - "Será a solidão tão desejada?
            Ou a companhia algum bem?
            Palavras e futuros que não se veem,
            Anseios e desejos de uma noite enluarada.
            Busco então pela terra amada.
            Algo que meus olhos hoje não veem.
            Será a morte para mim algum bem?
            Melhor está que mulher apaixonada?
            Mas em breve partirá o folego.
            E com ele a vida quem vos fala.
            E de mim, logo não restará nada.
            Reservo tão somente para o hoje,
            O versos daquele que não tem nada...
            A não ser, cortes e feridas em sua alma."


        Ao ler o poema, seu coração encheu-se de lágrimas. Lembrou da perda de várias amadas, e da desesperança que o abatia em meio ao crepúsculo e a grama agora molhada com o orvalho noturno. E o tempo passou, e o sono se abateu sobre ele. Em seu sonhos, Sem Nome corria em uma rua vazia e agitada com o barulho do vento. De frio, tremendo, suas lágrimas antes de ao chão caírem, cristalizavam-se. E mesmo que nostálgico e comovente, este por si, era um sonho não alegre, mas... Um pouco contente, com a vida que ele levara até o momento.
       Mas então, é acordado por um empurrão, e em direção ao chão vê seu corpo se dirigir. Caindo, ele toca o solo com violência, machuca seu braço direito no impacto e um tanto atordoado, encontra-se em pânico, pois, acreditava estar só. Já passava de meia noite, e "pelos deuses" pensou ele: "quem poderia estar a esta hora vagando acordado nas highlands?" E com o gosto de sangue em sua boca, amedrontado e tremulo, ele se vira. A visão que ele tem, não ajuda em nada sua atual situação: Um vulto indefinido, demoníaco, esquisito, balançado em sua mão algo como arma cortante. Um sorriso funébrio de quem anseia sangue. Então ele exclamou?
          ,
          - Quem é vós, que perturba o sono de um viajante qualquer!?

       Sem resposta, um mundo de dúvidas permeava sua mente, quando subitamente, a criatura parte para sima de Sem Nome, que em desespero corre procurando um lugar para se esconder. E sem perceber, fora ferido pela lâmina negra empunhada por aquele terrível ser, e um horror pior que o da queda vem sobre ele. Como mil demônios voando e levando embora a luz, ao ver seu sangue ao chão, como um rio que para o hades caminha: O Aqueronte. E naquele momento, sua vista escurece, e o que era então apenas escuridão passar ser uma serie de imagens, as quais ele reconhece com clareza. Todos os seus erros, falhas, orgulhos passam diante de seus olhos: Rejeições, orgulhos, brigas, esquecimentos, iras passam em sua mente como se não houvesse o tempo. Naquele momento, ele tem a sua "epifania":

          - Pelos deuses! Agora sei quem és, e o que buscas de mim.

            És meu mal ou meu bem...
            O orgulho o qual não deixo ferir.
            Aquele que já me fez ferir alguém.

          E a forma negra e turva da criatura, começa a assumir sua própria forma, um rosto que ele conhece tão claramente. E um arrependimento sem igual toma conta de seu coração. A criatura, agora quase um gêmeo do rapaz, olha para ele, e tendo visto que lhe escorriam lágrimas, sangue e arrependimento como em torrentes de chuvas de inverno, desaparece da mesma força que apareceu: esfumaçando-se pelos ares. Então um sopro de alivio passa pelo coração de Sem Nome, e ele novamente puxa o caderno de versos da bolsa, que agora possuía uma pintura escarlate causada pelo sangramento de sua ferida mortal.

          Ele olha então para o céu singular acima de sua cabeça, pensa um pouco sobre tudo que viu e então, começa a escrever:

          - "Como dói este aguilhão cruel e vil.

             Lâmina de raiva, orgulho e ódio.
             Fere mais a quem serviu,
             Do que o inimigo e o próximo.
             Agora, esqueço paixão senil,
             E da sensatez torno-me próximo.
             Pois me sobreveio o opróbrio,
             E me trouxe iluminação gentil.
             Pois com orgulho já feri,
             E de raiva fui homicida,
             Sem nunca me importar.
             Mas quando meu sangue verti.
             Vi que todo este orgulhar, era...
             Coisa imunda: Virtude corrompida."

          Terminando sua reflexão, ainda sem saber quanto tempo se passara durante e depois do acontecido, um pouco zonzo devido a ferida, agora, regozija-se com sua descoberta e com o brilho da aurora que começa a aparecer por entre as serras e montes, nas pastagens ao alcance de seu olhar.









by Calado