Agora,
resta pouco do que antes havia, repousa o copo na mesa, na sala, na pia; chaves do bolso ao chão, e o aperto, o soluço sai em perseguição daquilo que já
não há.
Não
é tarde, não é cedo, nem mesmo é a hora exata; só os objetos retratam o que o
nó na garganta entala e entalha, na saliva esculpida pelos dentes, que um dia
tanto sorriram, de abraços, de gracejos, de afeto amigo que agora carrega consigo, o fardo que era o bastante para dois. E senta, respira de
forma ofegante e lenta, a dor que não dói, sanguínea, que arrebenta as represas
oculares... E que não verão mais os mesmos lugares, nem franzirão com os mesmo sorrisos,
de desejos doces e distintos, destituídos de qualquer interesse nas últimos anos. E nem mesmo o respeito repousa agora... Trinta e dois anos... Porque? Porque não um pouco mais?
Quanta
coisa vai na caixa! Não somente esta reles massa atômica, que um dia atônita,
veio afônica cair em graça e olhar. Vai o sopro, o gosto, o toque e o cheiro de um mundo inteiro. Tão somente agora resta a triste calma que tem
pressa, apressa o passo de não ter e desejar, como nos anos de outrora, repletos
de cortejos, festejos, cobiça, luxúria e glória. Hoje, até a lua em luto chora. E somente a boca cala, com a mão à tapa mudo e ignora, deseja o fim de tudo, medo, vazio, do luto e do breu que agora emerge, surge, persegue a oração já cansada. Nem se quer parece que ouve madrugada! Os olhos fechados, como que
dormindo em um natural manhã de domingo, que raiaria em um desorientado sorriso,
letárgico levantar, caminha, caminha, caminha... E mais não vai caminhar. Nem mesmo pode se conter, crer, ver, não quer mais saber! Dói, dói, mas não dói! Quem dera
mil dores à doer.
***
Às zero
horas o lençol vai à cabeça, e ainda que o corpo adormeça, a memória vigiará; o
sono profundo buscando parece comprimido, analgésico Etéreo, o qual nem os anjos em mistério, ousariam se quer tocar. E este desfecho tão normal, físico, animal; abate, atinge, pior
que charada de esfinge. Antes abutres comessem o fígado! Não mais cartas,
gravatas, sandálias, toalhas, calças, caminhadas, gargalhadas... Só a cama e as salas... E as salas e a
cozinha... Vazia! Onde está a alegria? A mão que já tão cansada?
Porque? Porque? Porque? E o céu e seu escudo de bronze à mão. Nem se quer um
não para que pudesse confortar.
Desce... desce... desce...
Some... some... some...
Onde tudo padece...
E só restará o nome.
por Francisco Calado